domingo, 21 de março de 2010

Em Louvor de Tomás Jorge



Vivendo eu em Angola desde 1963, quando o amigo Tomás Jorge, que hoje homenageamos a propósito do 1º aniversário da sua morte, vivia em Lisboa, só em 1975 viria a conhecê-lo, na companhia do Jorge Macedo, outro amigo recentemente desaparecido, com quem partilhava há muito anos convívio pelo menos semanal.

Depois do meu regresso a Portugal, em 1981, viria a encontrá-los de novo juntos, primeiro no João do Grão, onde nos passámos a encontrar semanalmente para degustar o famoso cozido à portuguesa, passando depois muitas vezes para o David da Buraca, onde este prato era mais generosamente servido. Pelo caminho apareciam outros amigos, como o Fernando Laires, um dos fundadores da Casa de Angola em Lisboa, e o Francisco Soares, que não pôde estar aqui presente.

O assunto das conversas era naturalmente Angola, com os seus problemas de guerra, a sua pujança de sempre e essencialmente a saudade. E debatia-se a revista “Angoletras”, que o Jorge Macedo começou a fazer para a Casa de Angola, que não teve continuação por questiúnculas pouco claras.

Mesmo reconhecendo a datação e o enquadramento colonial da poesia do seu pai, Tomás Vieira da Cruz, o Tomás Jorge nunca deixou de o honrar pois, antes de mais, estava a qualidade e o seu inegável lirismo. De qualquer maneira, a forma como as novas autoridades trataram a estátua do seu pai, na rampa do Liceu Salvador Correia, destruindo-a pura e simplesmente, foi sempre uma mágoa que nunca perdoou.

Estando eu ligado a Constância, a terra do seu pai, onde a família Vieira da Cruz ainda é hoje gente grada, muitas vezes, nos últimos anos, o desafiei para lhe ir lá apresentar a família, mas o Tomás Jorge acabou por nunca decidir ir até lá. Também o desafiei a levá-lo ao primo, Carlos Alberto Vieira da Cruz, que dividiu comigo a chefia da redacção do Diário de Luanda, de 1972 a 1974, e hoje é considerado um bom fotógrafo em Lisboa, depois de passar pela África do Sul e pelo Diário de Notícias, mas também isso ficou pelo caminho. Como pelo caminho ficou o arranjo de dois contos tradicionais angolanos que a minha mulher, a pintora Helena Justino, lhe tinha encomendado para uma antologia que está a ilustrar. A doença já o minava e muitas vezes me deu conta de como tinha consciência do fim, em que eu não queria acreditar. Como ele tinha escrito anteriormente: «Hoje não trago nada para dizer/ sossega o teu rosto no meu peito/ repousa em mim tua tristeza.»

Como muito acertadamente escreveu a Laura Cavalcante Padilha em Biblos–Enciclopédia Verbo das Literaturas de Língua Portuguesa, na poesia de Tomás Jorge «A solidariedade e a esperança de um mundo sem peias ou repressões são fortes núcleos temáticos no conjunto da obra. Ao mesmo tempo que denuncia a opressão, o eu lírico convoca o leitor para que se possa transformar o presente histórico do homem angolano, representado como um não-sujeito do seu próprio destino [...].»

Poeta nacionalista, grande declamador, bom garfo, bom conversador, bom homem, bem disposto sempre, bom amigo. Como ele próprio escreveu, «Tudo se gasta/ Nós vestimos de sonho/ Embelezamos com flores/ Tanta sucata!/ Mas a ilusão/ Também se gasta/ Sensação de ouro e prata/ De repente/ Lata.»

É este o meu preito de homenagem ao Tomás Jorge!

Rodrigues Vaz


NOTA – Mensagem lida no dia 17 de Março de 2010 na sessão de homenagem ao poeta angolano Tomás Jorge, que lhe foi prestada por um grupo de amigos na Casa de Goa, em Lisboa. A iniciativa foi coordenada pelos Drs. Edmundo Rocha e Fernando Correia.

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